sábado, 21 de novembro de 2015

Quarto Exercício – prática

O ultimo exercício proposto para as crianças foi uma produção de um curta através de um roteiro elaborado. Optei por começar com a criança mais velha, e expliquei para ela a história que iria interpretar. O enredo se tratava de uma menina com uma vida monótona, que fazia diversas atividades sozinha pois, como seria revelado posteriormente no curta, sua mãe (e única companhia) estava em estado terminal no hospital. A menina teria que rezar para Deus não ‘levar’ a sua mãe, porém o pedido não seria atendido e a mãe acabaria falecendo. O objetivo de todo o curta era explorar, através das diversas cenas, diferentes tipos de atuação, tais quais: o imóvel/inumano, a contenção de emoção, a naturalidade da fala decorada, a possibilidade da criança chorar por uma construção dela e não por um sentimento manipulado, dentre outras questões que serão discutidas a seguir. 
No início, assim como Doillon busca fazer em suas produções, tentei criar um distanciamento entre a criança e a personagem que ela interpretaria, porém ao contrário do cineasta em questão não houve um tempo significativo de trabalho para isso, e portanto para criar o distanciamento imediato pedi para que a criança fizesse a escolha do nome da personagem que iria interpretar. É importante que o nome da personagem principal não seja o mesmo que o da criança, pois pode gerar confusão para esta ultima sobre as situações vividas. Em Ponette, por exemplo, todas as crianças permanecem com o mesmo nome, com excessão de Victoire, que vive Ponette, para que justamente esse distanciamento seja criado. 
Milena escolheu o nome “Jade”, sendo assim toda a história foi explicada novamente para ela, agora tendo como principal objetivo fazer-la entender que quem viveria aquela história seria a “Jade” e não ela, e assim que a criança compreendeu do que se tratava o enredo decidimos dar início as gravações. 
Iniciamos com as cenas em que a criança em questão não poderia demonstrar nenhum tipo de emoção nas diversas situações cotidianas que iria passar. Foi pedido a garotinha em questão para que mantivesse o rosto imóvel, para que o espectador, ao ver o produto final, não tivesse consciência do sentimento da personagem naquele momento. 
A imobilidade é um conceito cinematográfico estudado principalmente por Robert Bresson [nota de rodapé 1] que buscava “criar” em suas produções uma espécie de relação entre a pintura e o cinema [nota de rodapé 2] onde o ator/modelo deveria manter uma pose estática do rosto não expressando assim o significado sentimental do personagem em cena. Para Bresson era mais poético o espectador tentar adivinhar a emoção por trás da máscara do personagem do que apenas “assistir” a entrega desses sentimentos. 
“Bresson acreditava realmente nessa possibilidade que o cinema tem de flagrar algo genuíno que esta além de qualquer tipo de interpretação. Sobre os modelos [atores], ele afirma o seguinte: “O importante não é o que eles me mostram, mas o que eles escondem de mim, e sobretudo o que eles não suspeitam que esta dentro deles”. [MOCARZEL Evaldo[nota de rodapé 3]
Para explorar a imobilidade de Milena foi pedido para que a criança desenvolvesse atividades as quais ela esta acostumada a fazer em seu dia-a-dia, tais quais: comer, jogar no celular, lavar a louça ou apenas sentar a observar o horizonte. Nessas situações a criança em questão manteve o rosto imóvel a não ser pelo piscar dos olhos, porem é perceptível, principalmente na cena ao observar o horizonte que algo se passa em seu olhar, criando assim a poética da cena, pois é inevitável o “querer descobrir” o que se passa através do olhar doce de uma criança que se mantém o tempo inteiro ‘séria’. 
Um dos momentos mais interessantes durante o exercício de imobilidade desenvolvido com a criança em questão é em uma determinada cena onde a menina joga pedras no rio. O seu corpo esta trabalhado para demonstrar a raiva e indignação e isso é perceptível pelos movimentos fortes realizados pela criança, porém em seu rosto, quando filmado de perto, nada se passa, não há ali traços raivosos e sim uma criança sem nenhuma expressão. A característica raiva que o espectador pode atribuir a cena, portanto, deriva do trabalho de corpo da criança e não do seu rosto imóvel, mantendo assim o mistério do sentimento real do personagem. 
A cena seguinte foi um experimento de introdução de falas previamente estabelecidas para que a criança desenvolvesse um trabalho de substituição de sentimentos, conceito defendido por Hagen, afim de dar veracidade a cena sem haver a manipulação do sentimento. Foi dado um texto, contendo uma conversa com Deus, para que a criança decorasse e depois de desenvolver esse trabalho, foi iniciado o processo de substituição.
Foi pedido para que a criança em questão lembrasse da situação mais triste que tinha vivido, para que lembrasse da perda de um ente querido, para que trouxesse de volta a cena todo os sentimentos que ela lembrava ter tido naquela determinada situação. Como diretora da cena, antes que a garotinha iniciasse sua fala, estimulei-a, de maneira indireta, para que as lembranças ficassem mais presentes. Não utilizei o conhecimento de situações que a deixariam ‘triste’, estimulei-a de forma com que ela chegasse nessas situações por vontade própria de fazer a cena, e não forçando-a a lembrar de uma situação que não quisesse. Um outro método utilizado para que essa substituição acontecesse foi o do “faz de conta” exercício desenvolvido no decorrer da pesquisa, o jogo foi usado para que, embora a criança tenha conhecimento que aquela situação esteja acontecendo com sua personagem, ela desenvolva um trabalho de substituição dos signos, onde imagina-se naquela mesma situação com alguém próximo a ela, trazendo o sentimento verdadeiro da criança para cena e não somente do personagem. Hagen acredita que essa transferencia de significado é importante pois permite ao ator de descobrir o verdadeiro sentimento de sua personagem, como afirma em: 
“Temos que fazer essa transferiria, essa descoberta do personagem dentro de nós, por uma serie contínua e sobreposta de substituições, a partir de nossas próprias experiências e lembranças, pelo uso da extensão imaginativa das realidade, e colocá-las no lugar da ficção da peça. [HAGEN, 2013, p. 51-21]
Esse jogo de faz de conta, assim como a lembrança de uma situação parecida que viveu  (técnica também defendida por Stanislavski através do conceito da situação paralela) é importante para a naturalidade e veracidade da cena pois traz consigo verdades reais vividas pelo ator. O trabalho da voz de direção em cenas desse tipo é igualmente importante, pois provoca e instiga o ator a desenvolver um trabalho de imaginação mais eficaz. Hagen relata um caso em que a voz de direção se fez presente de forma eficaz ao ajudar a atriz de Moças de Uniforme a chegar a emoção pretendida pelo personagem através da substituição. 
“Manuela deve reagir com profunda vergonha e humilhação. A atriz não conseguia tornar esse momento significativo. Nem a roupa nem a atriz no papel da professora pareciam importar muito para ela. Por acaso, eu lhe sugeri uma estimulante substituição para a professora e a camisa. Eu disse: “E se Lynn Fontainne tivesse nas mãos calcinhas manchadas e as mostrasse a você?” A atriz ficou vermelha como pimentão arrancou a camisa das mãos de Fraulein Von Bernberg e a escondeu freneticamente atrás de si” [HAGEN, 2013, p.52).
No caso de Milena os estímulos oferecidos e a substituição realizada por ela mesma funcionaram. Foi perceptível a carga de emoção que a pequena atriz buscava conter e demonstrar ao mesmo tempo. O texto foi falado em meio a respirações de contenção do choro o que deu um aspecto mais ‘cotidiano’ a cena através das sujeiras na voz e nas expressões da criança. 
A cena final do curta desenvolvido trata-se da criança sentada no local onde a mãe fora enterrada, deixando para ela um “presente” significativo. Nessa cena foi utilizado como principal estimulo a ambientação, onde a criança, por estar em um cemitério real pode viver a cena como personagem de uma forma mais intensa e verdadeira. Foi pedido para que novamente a menina mantivesse seu rosto imóvel porém, desta vez, era perceptível seu sentimento através do olhar. Ainda que nenhum músculo de seu rosto se mexesse inicialmente, o olhos repletos de lágrimas que se recusavam a cair trouxe um significado poético a cena em questão. 
Durante a preparação da cena a garotinha pediu um tempo para conter o que estava sentindo afim de conseguir a imobilidade que fora pedido a ela, e com a câmera ainda rodando foi lhe permitido ter esse “tempo”. A emoção que ela tenta conter é tão genuína e bonita, e gera um quebra a imobilidade proposta de forma tão sutil que mante-la na edição final foi quase uma obrigação. É importante deixar com que as crianças sejam elas mesmo em cena, ainda que tenha uma marcação meticulosa. 
O curta termina com a garotinha deixando um pequeno urso sob a tumba da mãe e se retirando do cemitério. A entrega da menina a cena foi um aspecto interessante de se ver, pois esta ultima acredita muito em superstições relacionada ao ambiente em que a cena foi gravada, tanto que antes de começar a gravação a garotinha relatou que não iria mais querer aquele urso depois da cena, porém nenhum desses aspectos é perceptível quando a menina esta em cena, e isso demonstra que ela conseguiu “vencer” um pequeno medo dentro dela para construir a sua personagem de forma eficiente, conseguindo separar assim a personalidade do ator da do personagem, ainda que tenha utilizado dos sentimentos reais do ator para chegar ao sentimento correto de sua personagem. 
O segunda curta desenvolvido foi com Bernardo que acabara de completar seis anos durante o processo. A cena escolhida para o garotinho interpretar havia um cunho de suspense e por isso explicar a história para que fosse perfeitamente entendida em um curto período de tempo foi um pouco complicado, assim como desenvolver o processo com a fala que se enquadra na poética cinematográfica, visto que a fala do garotinho em questão é um tanto quanto artificial. 
Houve uma tentativa de repetição do método da escolha do nome do personagem como forma de distanciamento entre personagem e ator, porém a aceitação não foi eficaz como no caso anterior, sendo assim o distanciamento teve que ser feito de outra forma. Foi utilizado então a voz de direção como método para afirmar que as situações que a criança em questão iria viver não eram verdadeiras. Nessa situação o nome do ator foi mantido para o personagem pois como não se tratava de sentimentos profundos não havia a necessidade a separação total do “dois corpos” e a criança respondia melhor ao nome próprio do que a um inventado pela mesma. 
A história foi gravada, assim como propõe Doillon e Spielberg em ordem cronológica, para que estivesse claro para o garotinho todas as etapas da história, mantendo-o assim sempre ciente do que estava acontecendo com seu personagem. 
Iniciamos com uma cena que faz parte das atividades cotidianas do menino, brincar com uma bola no campo de casa. Pedi para que ele brincasse normalmente, e só chutasse a bola para o local indicado depois de um tempo brincando e em seguisse corresse para busca-la, parando em frente a uma marcação onde ele iniciaria a conversa com o “ser imaginário” que daria contexto a cena. 
Foi pedido ao garoto que ele imaginasse esse amigo, e que olhasse para o local marcado como se realmente tivesse enxergando “alguém ali” e acredito que este estimulo tenha ajudado-o a manter o olhar fixo em um ponto conversando sempre na mesma direção inicial, mantendo a ideia de que um ser estaria presente naquele local, embora a câmera mostre que não há ninguém. 
Uma das partes mais complicadas durante o processo foi a verbalização das falas. A criança em questão ainda esta na fase de desenvolvimento linguistico explicado por Piaget na segunda fase de desenvolvimento chamada de pré-operatório e por isso a fala ainda é um obstáculo para ela, ainda que domine as palavras, quando incitada a falar algo decorado, a criança não consegue produzir “sujeiras” naturais na verbalização mantendo a fala correta o tempo inteiro demonstrando a mecanicidade da fala decorada. Para tentar amenizar essa forma mecânica de verbalização, através da voz de direção foi dado ao garoto um pouco antes de cada fala a entonação e a forma de falar que era desejada para que o menino apenas imitasse, ainda olhando para o seu “amigo imaginario”, as falas que lhe eram dadas na hora. O método funcionou de forma convincente, ainda que a articulação das palavras tenha sido uma dificuldade para o garotinho. Durante a gravação também foi dado a criança um retorno da atuação dela, encorajando-a a entrar cada vez mais no personagem proposto. 
As marcações de cenas, na questão mobilidade, não foi um problema relevante. A criança entendia perfeitamente os gestos e lugares os quais ela deferia fazer ou ir, e isso facilitou o processo.
A segunda cena que vale a pena ser destacada retrata a situação da escrita com uma criança que acabara de completar seis anos e ainda não tem domínio completo da alfabetização. O estimulo para que a cena acontecesse foi ditar a “lista” de coisas que o amigo imaginário estava propondo para essa criança fazer, e fazer com que a criança tirasse suas duvidas em relação a escrita com o personagem que estava imaginando e não com o diretor. Durante o ditado surgiram varias duvidas em relação ao espaço entre as palavras e de como escreve-las, porém o que mais chama atenção na cena é a concentração da criança ao desenvolver a ação. O olhar fixo no papel, o rosto sério em sinal de atenção, a calma para desenhar as letras, todos esses aspectos traz a verdade do ator em cena e não somente do personagem. Ajudar as crianças a explorar tais verdades através de suas próprias dificuldades tornam a cena mais ricas e verdadeiras. 
A única fala roteirizada dessa cena tratava-se de um “tem certeza?!” após o garoto perceber o perigo que a lista trazia para ele. A fala deveria ser direcionada para esse ser imaginário que se encontrava no “ar” e o interessante durante a cena em questão é que o garotinho, pela dificuldade na escrita, demora um certo tempo para decifrar primeiro a escrita e depois o significado da palavra “pular”, fazendo com que a frase “tem certeza?” soe natural por finalmente estar entendendo o que o imaginário dele esta propondo. 
A maior dificuldade durante o processo com o garotinho de seis anos foi em questão do tempo das falas e das ações. Por ser algo roteirizado o tempo em que ele desenvolvia as ações e falava o que era pedido era sempre muito rápido, ainda que a calma fosse pedida. A situação onde essa relação com o tempo é muito perceptível é na cena em que o garotinho, após cair da árvore alta, pergunta ao amigo imaginário se ele esta vindo busca-lo e em seguida morre. Bernardo conseguiu encarar a câmera (como era a proposta) por longos minutos sem falar nada, porém assim que a fala era pronunciada e o personagem deveria morrer, suas ações corriam tirando assim a naturalidade da cena. Esse é um fator importante a ser trabalhado, pois é ritmo e tempo da cena é importante para a credibilidade do curta. 

Tendo trabalhado algumas dessas ações com essa crianças participantes do projeto foi notável a evolução de cada uma delas no quesito atuação e construção de personagem/situação, e portanto perceptível que uma criança pode de fato conseguir interpretar um papel sem ser manipulada pelo diretor. 

[nota de rodapé 1]  Bresson foi um cineasta francês, um dos maiores do séc XX e um grande mestre do movimento minimalista.
[nota de rodapé 2]  A  imobilidade não era a única relação entre o cinema e a pintura que o cineasta buscava. Ele explorava também a claridade em contraponto com a escuridão, o afastamento em relação a aproximação, assim como a forma e a posição, dentre outros opostos.
[nota de rodapé 3]  MOCARZEL, Evaldo. Posfácio in BRESSON, Robert. Notas sobre o cinematógrafo. Tradução Evaldo Mocarzel e Brigitte Riberolle. São Paulo: Iluminuras LTDA. 2005. pag 118. 

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Truffaut, Spielberg e Doillon.

Embora muitos diretores cinematográficos tenham desenvolvidos trabalhos com crianças, existem três grandes diretores que fizeram a diferença em se tratando da questão de artistas mirins. François Truffaut foi um dos primeiros cineastas a abordar o tema e se consagrar especificamente (embora tenha desenvolvido filmes com outras temáticas) a arte do cinema com crianças. Seus métodos foram tão eficientes e inspiradores que influenciaram nomes importantes na industria cinematográfica tal como Steven Spielberg e Jacques Doillon. Esses dois últimos, embora tenham abordado diferentes perspectivas, foram influenciados por Truffaut de maneira marcante. Juntos, os três diretores em questão possuem um extenso número de películas onde os protagonistas infantis abordam temas complexos e de difícil interpretação, sendo portanto motivo de diversas críticas em relação aos métodos utilizados nesses artistas mirins. É importante afirmar que todos os três cineastas citados apoiavam a não manipulação da criança, sendo essa ultima capaz, segundo os diretores, de entender seu papel e interpreta-lo da mesma maneira feita pelos adultos. 
François Truffaut dedicou-se a partir de 1975 a um filme intitulado “L’argent de poche” onde buscava descobrir diferentes maneiras de dirigir uma criança sem utilizar-se de métodos de manipulação para com o indivíduo a ser dirigido. O filme colocava em cena crianças de diferentes idades, desde os dois anos de idade até a chegada a adolescência e a história se baseava nas relações dramáticas que acontecem durante todo esse período da vida de um indivíduo. O objetivo principal de Truffaut durante o período de filmagens de “L’argent de poche” era encontrar o máximo de situações de ‘jogos’ em cada idade dos artistas participantes. O diretor buscava meios de dirigir crianças com discrepantes diferenças juntas, afim de entender quais métodos funcionavam para cada idade. 
O diretor em questão, segundo Nicolas Livencchi [nota de rodapé 01“adota com as crianças um método que podemos hoje qualificar como ‘primitivo’” [nota de rodapé 02] visto que a direção desenvolvida por Truffaut foi feita de maneira tímida e livre. Truffaut tinha um lema claro quando falava da sua forma de direção, o cineasta em questão se recusava a realmente ‘dirigir’ seus atores, ainda mais quando esses últimos eram crianças. O diretor defendia uma interpretação livre e verdadeira, sem artificialidade como afirma o próprio em: 
As crianças eram muito boas em Les Mistons, quando eu os dava para interpretar coisas que estavam ligadas a sua vida cotidiana. Mas quando eles deviam interpretar uma situação, quero dizer, ser um casal de namorados, isso não os agradavam, e portanto eles interpretavam mal. E foi ai que eu disse: “Eu nunca mais vou fazer histórias artificiais com crianças, eu partirei em situações mais leves onde posso abordar as relações deles, mas eu não filmarei mais uma história em que as crianças são usadas para demonstrar alguma coisa.”” [François Truffaut citado por Anne Gillain, Le cinema de François Truffaut. tag 345-346] [nota de rodapé 03]
Truffaut portanto fazia o uso da compreensão dos atores para “dirigir”. Segundo Nathalie Baye, uma atriz dirigida pelo cineasta, o indivíduo em questão se contentava de descontrair o ator, de deixa-lo a vontade, de libera-lo das diversas crenças que poderiam vir a ter e de ama-los, como relata a atriz [nota de rodapé 04]. Truffaut acreditava que o contato direto com a criança artista era benéfico porque a criança só era capaz de atuar em duas situações, seja para se divertir, seja para agradar quem a dirige, e portanto um contato compreensivo para com o pequeno indivíduo deveria ser priorizado. A criança artista, para Truffaut tem um grande senso de realismo e portanto deve ser trabalhada com o mínimo de ficção possível, recusando assim ao artista mirim o status de “ator de composição”[nota de rodapé 05]
Ao realizar o casting de ‘L’argent de poche’, Truffaut não levou em consideração os personagens e sim a atitude das crianças envolvidas diante da câmera, buscando assim “a vivacidade, o vocabulário, a vontade que a criança tem de interpreta, a disponibilidade” como afirma o diretor [nota de rodapé 06]. Essa não “construção de personagem” defendida pelo cineasta é confirmada ainda mais quando todas as crianças presentes no filme em questão, fazem uso de seu nome próprio, com excessão dos três principais. Essa é uma questão que será também abordada por Doillon. 
O cineasta também defende a necessidade de permitir que a criança improvise em cena, assim como afirma a importância de deixar com que essa mesma criança participe da criação do diálogo da cena visto que dessa forma ela estará em seu estado mais natural e portanto o resultado esperada será atingido com mais facilidade, como explica o cineasta  a abordar os métodos utilizados em L’argent de Poche “no interior das cenas, eu os dava muito pouco diálogos: Eu geralmente dizia as ideias, e eles faziam o resto com as próprias palavras[nota de rodapé 07]” afirmando essa liberdade em relação ao texto que as crianças de Truffaut possuíam. 
Para as crianças menores, Truffaut aborda métodos diferentes dos que antes eram conhecidos, ainda que a relação criançaxadulto seja uma formula conhecida no universo cinematográfico infantil, Truffaut encontra, neste mesmo filme, uma nova forma de utiliza-la, dando ao adulto o papel de dar instruções de jogos para as crianças em cenas. Exemplo desse método são as cenas em que a criança de dois anos aparece com a mãe em L’argent de poche’, onde esta ultima esta sempre dando instruções ou parabenizando a criança pela ação feita. Ainda abordando métodos para crianças menores, porém que tem um domínio maior da fala, Truffaut defende que as regras de jogo devem ser dadas pela criança na cena em que esta interpretando, como por exemplo a pequena Sylvie que no filme em questão dita sempre suas ações antes de executa-las [nota de rodapé 08]. Os métodos de interpretação livre desenvolvidos por Truffaut afirmam o talento das crianças quanto artistas e mostram que os pequenos indivíduo possuem capacidade de fazer um filme sem ser manipulado. 
Seguindo as ideias de Truffaut, Steven Spielberg se lança, como resposta a um desafio do primeiro cineasta, na direção de crianças. Truffaut, ao aceitar ser dirigido por Spielberg e ao observar a maneira com a qual este ultimo trabalhava com uma única criança do filme em que participava [nota de rodapé 09], incentivou-o a iniciar um trabalho onde os protagonistas seriam apenas crianças, e como resposta a esse incentivo, Spielberg se lança na montagem de “E.T. the Extra-Terrestrial” (1982). 
E.T conta a história de um menino autista (interpretado por Henry Thomas) que encontra um ser de outro planeta e faz dele o seu melhor amigo, juntamente com seus dois irmãos, um adolescente e uma menininha de pouco mais de seis anos, interpretada por Drew Barrymore. 
Spielberg é conhecido por testes cansativos, e não foi diferente com E.T. Para ter a certeza que escolher a criança certa para o personagem, o cineasta em questão fez diversos jogos durante o casting para assim ter certeza da escolha adequada. Para Henry Thomas o diretor propôs uma cena de faz de conta, onde pediu para que o menino reagisse a um estranho vindo tirar dele o seu melhor amigo. Já para Drew Barrymore o teste foi mais sonoro e a criança teve que mostrar em diversas ocasiões seu grito potente para ser escolhida. Esses processos de escolha desenvolvidos por Spielberg são importantes pois o diretor em questão buscava rostos poucos conhecidos, que ainda não haviam enfrentado a fama, para viver seus personagens, e portanto essa era a maneira que achava adequada para testar qual criança era mais propícia pro papel e que aguentaria os processos, e as consequências [nota de rodapé 10] de filmagens intensas. Porém essa não é uma formula que Spielberg explora sempre, o diretor em questão gosta de oscilar entre trabalhar com o novo e o conhecido, e portanto também dirigiu atores mirins considerados prodígios no cenário cinematográfico, tais como Dakota Fanning e Haley Joel Osment. 
Ao escolher dirigir apenas crianças, o cineasta em questão aponta que a sua maior satisfação em fazê-lo é a entrega da criança em cena:
“As crianças são mais consequentes e, eu acho, mais espontadas que os adultos em diversas situações. A inexperiência delas, deixa a sinceridade aparecer. Eles não são capazes de se censurar (…) Eles não são ‘velhos’ o suficiente para sentir coisas e dizer: “Na verdade, eu não deveria fazer isso porque….” desde que você começa a dizer isso, você impõe a lógica ao invés do instinto; as crianças dão o instinto e um natural incomparável. É isso que eu adoro obter da parte deles. A magia que eles colocam no filme! (..)” [SPIELBERG, Steven] [nota de rodapé 11]
Essa espontaneidade infantil, portanto, é o que o diretor procura em seus pequenos artistas e tal característica acaba sendo mais marcante do que a rapidez de um artista em fazer determinada cena. O cineasta dá muita prioridade para a preparação do ator anterior a filmagem, e por tal motivo todo seu processo é lento, para ele o laboratório realizado pelo artista é uma das fases principais para o sucesso do personagem. 
Em busca de manter a espontaneidade no processo de filmagem, Spielberg não adota os ensaios como método de preparação do ator, pois como afirma Christian Bale, ele busca “que os atores sejam tão naturais e descontraídos quanto possível” [nota de rodapé 12] e por tanto as filmagens são realizadas em poucos takes. Spielberg é a favor da improvisação em cena, embora pareça o contrário visto que seus filmes são cheios de técnicas e efeitos especiais. 
Em E.T, o cineasta respeita tanto a visão da espontaneidade que renuncia a criação de uma story-board e segue a produção somente pelo script, alterando os diálogos da produção todos os dias, visto que era buscado o natural da criança e esta ultima deveria estar presente para ajudar na produção “do que falar” ou “como falar”, afim de criar esse efeito de naturalidade.
Um outro fator que vale a pena ser destacado na maneira como Spielberg dirige suas crianças é o fato do diretor em questão nunca trata-las com superioridade, ou de forma muito infantil. O cineasta busca manter contato direto, sempre dando aos atores mirins retorno de todas as cenas produzidas por ele, e usando um tipo de palavriado que a criança é capaz de entender como afirma em: “Eu não os trato como crianças (…)Eu me comporto com eles de igual pra igual.” [nota de rodapé 13] Sendo assim o diretor não buscar estabelecer uma relação de superioridade com seus atores mirins, e sim de confiança, pois é somente dessa forma que uma criança irá se entregar ao trabalho. 
Um outro método utilizado por Spielberg em cena com seus atores crianças é interpretar ele mesmo a cena que será filmada, para somente em seguida deixar que a criança releia suas ações e complemente com a espontaneidade dela mesma [nota de rodapé 14]. Esse método permite que a cena não seja ‘intelectualizada’ e portanto a criança entende mais facilmente o que é esperado dela naquele momento. Em E.T Spielberg, além de incorporar esse método, dá as crianças indicações o mais próximo possível da cena a ser interpretada e essas indicações são, na grande maioria das vezes, puramente emocionais. Spielberg, como afirma Livencchi [nota de rodapé 15], faz prova de um grande domínio pedagógico ao dirigir uma criança e conseguir explicar todas as motivações dos personagens envolvidos. 
Spielberg recusa a manipulação da criança em cena, para ele é válida a explicação da cena para o pequeno indivíduo, assim como jogos preparatórios de “faz de conta”, relação afetiva com objetos de cenas, mas nunca a manipulação. Prova disso é a forma que o diretor se comporta durante as filmagens de E.T, onde um robô é realmente levado para filmar com as crianças, porém estas ultimas vêem toda a manipulação que o objeto sofre, assim como Spielberg assume a voz do boneco nas filmagens, utilizando-se assim da confiança tem sobre o diretor para aceitar se relacionar com o objeto de forma afetiva. Nessa determinada situação o diretor buscou fazer com que as crianças presentes na produção se apaixonassem pelo objeto assim como as personagens que elas representariam, porém deixado claro a elas que aquele era um objeto manipulável e portanto não era verdadeiro nada que estava em cena. Sendo assim as crianças, mesmo sabendo da verdade, desenvolveram afeição pelo boneco, como afirma Drew Barrymore [nota de rodapé 16]. Esse método afetivo ajuda a tornar os sentimentos do personagens reais, e por tanto fica mais fácil e natural o ator mirim conseguir atingir cenas dramáticas com perfeição. Um exemplo disso é a cena em que E.T tem de ir embora e portanto seria a ultima vez que os personagens, assim como os atores mirins, iriam ver o boneco. A cena se tratava não só da despedida entre os personagens, mas também da despedida de todo o elenco, visto que Spielberg presa pela filmagem em ordem cronológica quando se tratam de crianças filmando. Tal fator contribuiu para o sucesso da cena final, visto que com toda a afeição que os artistas mirins tinham desenvolvido pelo boneco, não vê-lo nunca mais trazia um sentimento real para os atores envolvidos, e portanto, antes mesmo de gravar as cenas os artistas já estavam em um estágio sentimental adequado para a cena. 
“Eu filmei E.T dentro da continuidade. Especificamente do primeiro ao ultimo plano (…) Era a ultima vez que os atores veriam E.T. Era cruel, mas eu fui ver Henry Thomas, que já estava triste, e eu disse a ele: “É realmente a ultima vez que você vai ver o E.T. Você ainda tem que vir trabalhar amanhã, mas ele não estará mais aqui. Era a verdade. Eu não disse “Seu cachorro morreu”. Eu disse “Você não vai vê-lo mais”” [SPIELBERG, Steven] [nota de rodapé 17]
O profissionalismo do pequeno ator leva-o a reter a emoção que a despedida o trazia até o diretor em questão gritar “ação”, trazendo assim toda a sua verdade para a cena. Spielberg compreende com tal experiência que uma criança artista não pode funcionar com mentiras e manipulações, na verdade, a naturalidade só ocorre quando o pequeno indivíduo tem a capacidade de imergir totalmente na ficção. 
Um ultimo ponto a ser destacado nos métodos de direção de Spielberg é a necessidade de fazer a criança ‘mergulhar’ em sua própria imaginação, afim de visualizar como a cena será realizada. Spielberg seguia, nesse conceito, os pensamentos de Stanislavski onde afirma que os objetos materiais que nos cercam em cena pedem uma atenção já treinada, mas os objetos imaginários existem uma força de concentração mais trabalhada [nota de rodapé 18]. Para Spielberg o artista criança deve ser capaz de responder aos estímulos imaginários dados por ele e para que isso aconteça ele dá a criança uma visão geral de como será a produção final, para que esta mesma não fique perdida em meio as cenas, ou “não saiba” o porque esta fazendo determinada ação. 
Jacques Doillon também é um diretor fortemente influenciado e desafiado por Truffaut. Ao dirigir um dos seus primeiro filmes com crianças, intitulado Les Doigts dans la tête (1974), Doillon recebe uma critica positiva de Truffaut afirmando que o longa metragem é tão bom que não se sabe se o trabalho feito com a criança ali presente é de improvisação ou ensaios repetitivos, pois a garotinha do filme, Ann Zacharias, dava a impressão de falar o que pensava em cena afirmando assim a naturalidade da garota em frente as câmeras [nota de rodapé 19]. 
Doillon segue o caminho de Truffaut em relação a não manipulação da criança em cena, porém explora aspectos que o primeiro diretor nunca pensou em pesquisar em suas montagens. O diretor em abordado nesse momento segue precisamente os métodos de Stanislavski e tenta fazer com que seus atores mirins criem um link direto entre os sentimentos de seus personagens e a sua própria vivencia pessoal, “obrigando” assim o ator a encontrar por seus próprios meios a essência do sentimento do personagem. 
O cineasta em questão trabalha com uma dualidade difícil de compreender e realizar. Em seus filmes, ao mesmo tempo que ele busca naturalidade e sinceridade, seus métodos estão atrelados a uma mecanicidade de ensaios, técnicas e a não improvisação em cena. Para Doillon as crianças são os artistas que conseguem chegar a esse estado mais facilmente e isso explicaria a regularidade da presença de crianças em seu filmografia. 
O cineasta afirma que a criança precisa entender o papel que ela irá interpretar, e portanto só escolhia crianças que ele considerasse inteligentes o suficiente para compreender o que lhe era explicado, visto que sua filmografia possui um histórico dramático intenso. Levando esse fator em consideração, o diretor tratava suas crianças como atores adultos profissionais, visto que acreditava que a criança teria a mesma capacidade de reflexão e compreensão do mundo, estabelecendo assim uma relação de igual, porém mantendo suas postura hierárquica perante a eles. 
Jacques Doillon que a criança tem uma maior capacidade de interpretar um personagem que um ator adulto, pois o interpretar é natural na criança, é algo que ela faz nas brincadeiras do dia-a-dia, e como os adultos não praticam esse “interpretar” todos os dias, o ato de faze-lo perante as câmeras, torna a atuação um pouco mais artificial, como afirma em: 
“Eles interpretam bem mais que a gente, do lado do jogo, eles são mais criativos que nós. Então, porque o cinema, que é um vasto espaço de jogo, porque as crianças seriam menos dotadas que os adultos? Eles são bem mais dotadas que os adultos.” [DOILLON, Jacques] [nota de rodapé 20]
Segundo Doillon uma criança, a partir dos quatro anos, já consegue compreender seus sentimentos e portanto externaliza-los de forma consciente. Para provar tal teoria o cineasta começa a gravação de Ponette (1996), com uma garotinha que acabara de completar seus quatro anos de idade, chamada Victoire Thivisol, que com a ajuda de Doillon provou que uma criança no início da infância era capaz de simular e enfrentar o sentimento de luto, temática da produção em questão. 
Um fator que facilita a direção de uma criança em cena, para o cineasta, é o fato de que, como Piaget afirma, a criança na pouca idade vive no presente, e portanto o passado e futuro não interfere em suas ações e Doillon afirma que deve ser por esse motivo, que trabalhar com crianças em cena, é mais fácil do que trabalhar com adultos [nota de rodapé 21], pois a criança, quando entra em cena, esta raramente desinteressada, raramente pensa no que fez ou no que vai fazer, ele esta presente o tempo inteiro, entregue a cena a qual esta filmando, e isso, segundo Doillon, é uma característica formidável. 
Sobre seus métodos, o cineasta em questão é o único, dentre os três citados, que presa muito pelo texto a ser trabalhado. Ao iniciar um projeto com uma criança, o diretor passa longos meses apenas trabalhando todos os textos com esse artista mirim, afim de faze-lo compreender o texto, e repeti-lo tamanha vezes para que no final a criança acabe se apropriando das falas ou do modo de falar e portanto pareça natural durante as filmagens. Em Ponette, por exemplo, o diretor passou seis meses ensaindo com as crianças do filme, afim de fazê-las entender e incorporar cada detalhe do roteiro, banindo a improvisa do projeto. Somente após esse processo cansativo, é que o diretor em questão busca a espontaneidade do ator como afirma Livencchi. [nota de rodapé 22]
Doillon é um diretor que sustenta grandes paradoxos tais quais, ao mesmo tempo que ele presa pelo realismo da cena, ele propõe situações teatrais a serem interpretadas pelos atores. Ou ainda, ao mesmo tempo que defende o natural da linguagem, ele exige de seus atores um extenso e certeiro conhecimento sobre o roteiro e esses antagonismos acabam reforçando a singularidade do diretor em questão. 
Um outro metodo a ser importante no trabalho de Doillon é o fato que o diretor em questão repete por quinzenas de vezes os takes, e a cada reprise o cineasta se junta com os atores afim de definir que direção seguir, ou ainda discutir os detalhes da cena a serem trabalhados. Doillon busca encontrar juntamente com seus atores a perfeição da cena através de um trabalho minucioso e rigoroso como afirma Livencchi[nota de rodapé 23]
Um método interessante que o diretor usa com as crianças é o fato de conversar com as mesma em meio as filmagens, exercendo seu poder de voz de direção e retirando os ruídos emitidos na edição de som, trazendo assim para a criança um resultado imediato de seu trabalho. 
Ponette foi trabalho mais polêmico, tanto para a carreira de Doillon quanto para a história do cinema com crianças. A discussão sobre o trabalho surgiu quando a legitimidade da criança artista foi questionada, visto que trabalhar com uma criança no cinema ainda esta ligado com métodos manipulativos de sentimento e pelo longa metragem ser totalmente voltado para o luto de criança, o trabalho desenvolvido por Doillon foi extremamente questionado. A crítica principal consistia em apontar o diretor como manipulador de sentimentos de uma criança de quatro anos, pois não acreditavam que a criança em questão fosse capaz de externalizar com tamanha competência seus sentimentos. Doillon afirma que em nenhum momento Victoire, a atriz que representa Ponette, foi manipulada, e que ela tinha plena consciência de que tudo o que estava vivendo em cena, não passava de uma ilusão, sendo assim uma “criança inteligente” capaz de diferenciar os dois mundo. Sendo assim Doillon afirma que existem duas características essenciais para que a direção de uma criança ocorra, sendo elas: o jogo do ator de um lado, e a inteligência da criança do outro. 
Doillon ainda afirma que para dirigir uma criança é necessário que esta ultima se acostume, primeiro, com os equipamentos de filmagens, pois só assim elas poderão agir com naturalidade diante a eles. É importante também que, embora o diretor tenha que manter sua postura hierática diante as crianças, consiga por meio de vocabulário em comum, se aproximar da realidade vivida pelo pequeno artista, afim de ficar o mais próximo possível deste ultimo, para faze-lo compreender a linguagem da cena.
Nosso vocabulario sofreu uma regressão, Jacques comentava os takes de uma maneira bem simples, com gestos: “Victoire, você esta nos dando isso” – e afastava as mãos em uns 15 centímetros – “e eu quero isso” – ele afastava aos mãos a uns 1m20. Se Victoire desse isso a ele, Jacques abria os braços novamente, como se segurasse um imenso presente imaginário. Victoire gritava de alegria “a gente conseguiu, a gente conseguiu….”, “eu vou correndo falar pro Matiaz” e toda a equipe batia palmas.” [CHAMPETIER, Caroline] [nota de rodapé 24]
O vocabulário, com crianças de tão baixa idade ajuda a faze-la compreender o que se espera dela, e portanto facilita a sua entrega a cena. 
Para o sucesso de Ponette, a escolha da atriz foi bem importante. Doillon procurou uma garotinha que tivesse passado por uma situação parecida a de Ponette e que portanto poderia “emprestar” a personagem os seus sentimentos. É dessa forma que ele escolhe Victoire pois a criança questão acabara de passar por um processo de divorcio dos pais, e portanto poderia relacionar esse sentimento com o que Ponette sentiria ao perder a mãe. Trabalhar com Victoire nas cenas dramáticas era portanto uma tarefa fácil para o diretor. 
“É uma criança que se manteve tensa todo o percurso da filme. não por conta da filmagem, mas por conta do que estava lhe caindo sobre a cabeça, a separação de seus pais. Ela ia naturalmente para as cenas dramáticas com muita facilidade, e com uma dificuldade imensa nas cenas de um cotidiano um pouco feliz, traquino, que uma criança comum teria feito facilmente. Sempre foi ao contrário.” [DOILLON, Jacques] [nota de rodapé 25]

É importante para Doillon que a criança saiba diferenciar a sua personagem do que ela, como indivíduo, é. Por esse motivo o cineasta entrega a Victoire diversos métodos para que a criança não confunda os sentimentos da personagem com os seus, ainda que faça uso do seu para representar o da personagem. A jovem atriz sempre se refere a sua personagem na terceira pessoa, afim de criar esse distanciamento, assim como dispõe de um gesso no braço para ter um objeto de apoio quando esta interpretando Ponette, e retira esse objeto quando a criança “volta” a ser apenas a Victoire. O distanciamento também é criado quando Ponette é a única personagem a não ter o nome da atriz que a representa [nota de rodapé 26]. 

[nota de rodapé 01] Ibid
[nota de rodapé 02]  “Adoptant avec les enfant une méthode que l’on peut aujourd’hui qualifier de ‘primitive’” LIVENCCHI, Nicolas. Ibid. Pag. 141.  – tradução por mim. 
[nota de rodapé 03]  “les enfants étaient très bons dan Les Mistons, quand je leur donnais a faire des choses qui étaient très liées a les vie quotidienne. Mais quand ils devaient jouer la situation, c’est-a-dire persécuter le couple d’amoureux, ça les embêtait, et ils le faisaient mal. Et c’est la que j’ai dit: je ne ferai plus d’histoire artificielle avec des enfants maintenant; je partirai sur des choses beaucoup plus souples ou je pourrai faire entrer leurs relations, mais je ne tournerai plus une histoire ou les enfants sont utilises pour démontrer quelque chose.”  – tradução por mim
[nota de rodapé 04]  ANDREU, Anne. François Truffaut, une autobiographie, Arte. França. 2004. 
[nota de rodapé 05]  Ator de composição seria o indivíduo capaz de criar um personagem e viver com ele situações fictícias que foge o cotidiano. 
[nota de rodapé 06]  TRUFFAUT, François, citado por GILLAN, Anne. Le cinema de François Truffaut. Flammarion. França. 1992. pag 345. 
[nota de rodapé 07]   TRUFFAUT, François, citado por GILLAN, Anne. Le cinema de François Truffaut. Flammarion. França. 1992. pag 347.
[nota de rodapé 08]  Exemplificando de forma mais clara, a criança em questão em uma das cenas, por exemplo, diz “agora vou pentear meu urso” e em seguida ela exerce a ação, estabelecendo por si só a regra de jogo. 
[nota de rodapé 09]  O filme em questão foi Close Encounters of the Third Kind (1977), e a criança dirigida era Cary Duffey no papel de Bary. 
[nota de rodapé 10]  Por consequências quero dizer emocionais. Como exemplo temos a própria Drew Barrymore que por não ‘aguentar’ a pressão de celebridade existente para com ela, se torna viciada em drogas e bebidas aos treze anos de idade. 
[nota de rodapé 11]  “Les enfants son plus conséquents et je pense, plus spontanés que les adultes a de nombreux  égards. Leur inexpérience laisse la sincérité apparaitre. Ill son incapables de se censurer. (…) Ils ne son pas assez vieux pour sentir les choses par eux-mêmes et dire: “En fait, je ne devrais pas faire cela parce que…” Des que vous commencez a dire [ça]. vous imposez la logique, au détriment de l’instinct’ or, les enfant vous donnent un instinct et un naturel incomparables. C’est ce que j’adore obtenir de leur part. La magie qu’il mettent dans le films! (…)” – tradução por mim. [SPIELBERG, Steven citado por CRAWLEY, Tony. L’aventures Spielberg. Paris. Pygmalion col. Cinéma. 1984. p.136.]
[nota de rodapé 12]  “A que les acteurs soient aussi naturels et décontractées que possibles” – tradução por mim [BALE, Christian. entrevistado por JAUBERTY, Christian. Carnet de Bale. 7 a Paris. 1988]
[nota de rodapé 13]  Je ne les traite pas comme des enfant (…) Je me comporte avec eux d’égal a égal” – tradução por mim. [SPIELBERG, Steven. Entrevistado por LIPTON, James]
[nota de rodapé 14]  Spielberg afirma tal método em uma entrevista realizada em 1986 por Myra Forberg. 
[nota de rodapé 15]  Ibid. pag 175.
[nota de rodapé 16]  BARRYMORE, Drew. DVD: E.T “la reunion” 
[nota de rodapé 17] J’ai tourne ET dans la continuité. Religieusement du premier au dernier plan (…) C’etait la toute dernière fois que les acteurs voyaient ET. C’était cruel mais je suis allé voir Henry Thomas, qui était déjà triste, et je lui ai dit: “C’est vraiment la dernière fois que tu vois ET. Tu as encore du travaille demain, mais sans lui.” C’était la vérité. Je n’ai pas dit: “Ton chien est mort”. J’ais juste dit: “Tu ne le reverras plus.” SPIELBERG, Steven entrevistado por LIPTON, James. L’actors Studio, EUA. New School University/ The John L. Tishman Theater. 2003.
[nota de rodapé 18]  STANISLAVSKI, Constantin. A formação do ator. pag 113. 
[nota de rodapé 19]  TRUFFAUT, François. Un fil simple comme bonjour. Les films de ma vie. Paris. Flammarion. 1975. pas 357-360.
[nota de rodapé 20]  “Comme ils jouent quand meme plus que nous, du côté do jeu, ils son plus inventifs que nous. Donc pourquoi le cinema, qui est quand meme un vaste espace de jeu, pourquoi ils seraient moins doues que les adultes? Ill sont plutôt plus doués que les adultes.” – tradução por mim [DOILLON, Jacques. in DVD – La vie de famille.]
[nota de rodapé 21]  DOILLON, Jacques. Entretien avec l’auteur. GRAVEL Jean-Philippe. Ciné-Bulles. Vol 20. nº 2. 2002. pas 40-43.
[nota de rodapé 22]  Ibid, pag 191. 
[nota de rodapé 23]  Ibid, pag 196.
[nota de rodapé 24]  “Notre vocabulaire a nettement regresse, Jacques commentait les prises avec de mots très simples, des geste: “Victoire, tu nous a donne ça” – il écartait les mains de 15 centimètres – “moi je veux ça” – il écartait les mains d’1m20; si Victoire donnait ça, ∆acques écartait de nouveaux les bras comme portant un immense cadeaux imaginaire. Victoire hurlait de joie “on la eu, ou la eu…”, “je vais le dire a Matiaz” et toute l’equipe battait des mains. – Tradução por mim [CHAMPETIER, Caroline, in dossier Ponette]
[nota de rodapé 25]  c’est un enfant qui a été tendue presque tout le long du tournage – non a cause du tournage, mais a cause de ce qui lui est tombe sur la tête, la séparation de ses parents. Elle allait naturellement vers les scènes dramatiques avec beaucoup de facilité, et avait beaucoup de difficulté a aller vers des scènes d’un quotidien un peu joyeux, un peu tranquille, qu’un enfant bien choisi aurait pu retraduire assez facilement. Ça a toujours été le contraire. [DOILLON, Jacques. Entretien avec l’auteur. Ibid]
[nota de rodapé 26]  DOILLON, Jacques. Entrevistado por BERGALA, Alain. In DVD Ponette.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Terceiro exercício – Prática

A terceira experiência realizada com as crianças envolvidas no projeto foi uma atividade de “faz de conta” diante a câmera. Foram descritas algumas situações em que emoções conhecidas por elas seriam abordadas, para identificar assim o conhecimento dessas crianças sobre o seus sentimentos e a capacidade de transpor o que esta interiorizado para a câmera assim como analisar se a idade da criança posta em observação, interfere nessa exteriorização de sentimentos, visto que, segundo Piaget [nota de rodapé 1], a idade da criança interfere na sua visão de mundo e consequentemente em sua maneira de lidar com ele. 
Piaget elaborou sua pesquisa observando metodicamente crianças, identificando assim em que fase (ou idade) da vida essas crianças apresentariam percepções de espaço, tempo, linguagem, símbolo, lógica, movimento, dentre outras percepções que constituem o ser humano. Ao concluir a pesquisa, Piaget dividiu em quatro os estágios possíveis de desenvolvimento da criança, sendo eles: sensório-motor que abrange crianças de 0 a 2 anos com percepções sensoriais e motoras básicas, onde buscam conhecer seus sentidos e a capacidade de movimento de seus corpos de forma limitada através de reflexos como por exemplo o ato do bebê “mamar” ou ainda o de pegar um objeto e leva-lo diretamente a boca. O segundo estágio descrito pelo autor é o pré-operatório que agrega crianças de 2 a sete anos que é também conhecido como fase da inteligência simbólica onde a criança possui a capacidade de interiorizar os esquemas de ações que adquiriram no estágio anterior, assim como é destacado como período em que a criança desenvolve sua capacidade linguistica, nessa idade a criança, segundo Piaget, é egocêntrica, acredita que tudo deve ter uma explicação e deixa-se levar pela aparência, sem conseguir relacionar os fatores de uma situação. É nessa fase que Bernardo, uma das crianças do experimento, se encontra.
A terceira fase descrita pelo autor é a que crianças de 7 a 11 anos se encontram, chamada de operatório-concreta onde adquirem noção de tempo, espaço, velocidade, ordem, dentre outras capacidade que os permite relacionar diferentes aspectos da realidade. É nessa idade que a criança adquire a lógica matemática e tem uma percepção maior do meio em que se encontra e portando de si mesma. Milena e Gabriela, duas crianças do projeto, também se encontram nessa fase. 
A fase operatório-formal é a ultima descrita pelo autor. Ela engloba indivíduos dos 12 anos em diante e descreve as suas capacidade como abstração total do meio e das habilidades, sendo assim possível para o indivíduo pensar em relações lógicas e buscar soluções através de hipóteses e não somente pela observação da realidade, aplicando assim seu raciocínio lógico em todas as classes de problemas. 
O experimento realizado com as crianças do projeto, portanto, se baseou em entender a exteriorização de seus sentimento, assim como o jeito de lidar com as situações levando em consideração a idade que se encontram visto que, segundo Doillon a criança reconhece os sentimento a partir dos quatro anos e portanto é a partir dessa idade que o indivíduo está apito para lidar com esses sentimentos em cena visto que 
“Jouer, c’est quoi? C’est exprimer des sentiments, pour simplifier beaucoup. On ne peut pas jouer si on ne comprend pas les sentiments qu’on joue, en simplifient encore extraordinairement. Est-ce qu’un enfant de quatre ans comme Victoire [nota de rodapé 2] ne connaît pas ces sentiments que sont l’amour, la jalousie, la haine, la possession, l’abandon? A l’évidence, oui”  [Jacques Doillon, entretien avec l’auteur, filmado em Paris em 3 de fevereiro de 2005] [nota de rodapé 3]
Começando o experimento, Milena (10) foi colocada em um lugar tranquilo e de pouco movimento, a atividade foi explicada e iniciou-se a filmagem. A primeira situação proposta para a criança em questão foi “Faz de conta que você acabou de ganhar alguma coisa que você queria há muito tempo”, para essa situação foi utilizada a técnica de significados de objetos, onde entrega-se a criança um objeto diferente e pede-se que ela dê a ele o significado que ela quiser, transformando por exemplo, um chinelo em um tablet. Essa técnica é muito utilizado em brincadeiras infantis, onde a criança tem consciência da realidade mas consegue ‘visualizar’ nitidamente um significado diferente para o objeto em questão através do uso de sua imaginação como relata Wallon ao dizer que “c’est agir comme si l’imaginaire était réel”[nota de rodapé 4]. Para Milena foi dado um chinelo, o significado ao objeto seria pensado por ela, e pedido uma reação ao receber o tão esperado presente. 
A criança em questão manteve o tempo o olhar sobre o objeto, dado a ele um sentido diferente do que estava realmente em mãos, e era notório em sua expressão que o que ela enxergava ali ela um “tablet” e não um chinelo comum. No término da situação a menina largou o chinelo voltando ao seu significado real, esquecendo que há poucos segundos aquele era o eletrônico que ela queria que fosse, provando assim que a criança tem noção do mundo imaginário e do real, por mais que elas acreditem nas situações imaginarias que criam. 
Na segunda situação a criança deveria fazer de conta que estava com ciúmes de alguém e foi especificado que no exercício não havia a obrigatoriedade de falas, que o objetivo era a captura da emoção, sendo ela transmitidas por falas ou somente por expressões. É importante relatar nesse ponto que foi dado a criança a total liberdade de se expressar da forma que achasse que deveria na situação proposta, pois como afirma Truffaut [nota de rodapé 5]e concordam Spielberg e Doillon, a criança artista é o indivíduo que é ele mesmo em cena, e por isso o cineasta deve escolher especificamente uma criança que se enquadra no papel do personagem e dar a ela somente a situação (ou diálogos curtos) para que interpretem com suas palavras de forma mais natural.
“A l’intérieur des scènes, je leur donnais très peu de dialogue: je leur disais en general les idées, et eux faisait le reste avec leurs propres mots. (..) Par exemple, dans la scène ou l’instituteur arrive en disant: “J’ai eu un enfant”, ils ont posé exactement les question qu’ils voulaient.” [TRUFFAUT, François. Citado por GILLAIN, Anne. Le Cinéma selon François Truffaut. Flammarion. Paris (1992). pag. 347] [nota de rodapé 6] 
Sendo assim, a criança em questão preferiu para essa situação proposta não usar falas, e transmitiu o sentimento proposto através de expressões que para ela retratava o fator ciúmes. Durante o exercício o olhar dela vagou do chão para um ponto fixo, fazendo possível notar que algo passava dentro da cabeça dela, talvez dando suporte para que sua expressão de ciúmes fosse tão convincente. 
Em seguida foi proposta a situação de “faz de conta que alguém que você ama muito sofreu um acidente”. A garota em questão não sabia exatamente como agir, a primeira reação dela foi colocar a mão no rosto em sinal de susto e em seguida começou a rir, não interiorizando a situação proposta, seguindo com o mesmo take a menina ainda colocou a mão no peito e começou a respirar pesadamente explodindo em risadas em seguida porque esses primeiros reflexos miméticos, segundo Stanislavski, são os primeiros gestos que o indivíduo tende a fazer em determinadas situações. 
“On montre les dents et on roule le blanc des yeux pour exprimer la jalousie, on couvre ses yeux et son visage au lieue pleurer, on s’arrache les cheveux pour montrer son désespoir (…)  L’histoire de deux petite fille qui n’avaient jamais vu de theatre, pas plus que de répétitions, et cependant jouèrent une tragédie avec les cliches les plus vulgaires et les plus rebattus” [STANISLAVSKI, Constantin. La formation de l’acteur. Paris, Payot et Rivages. coll Petite Bibliothèque. 2001. trad do inglês por JANVIER Elisabeth. pag 40-44.] [nota de rodapé 7] 
Visto que a criança estava apelando para o clichê parei de filmar, o objetivo era demonstrar emoções verdadeiras e como não estava sendo atingindo acreditei que uma conversa com a criança a faria entender melhor o objetivo. Expliquei a importância de realmente sentir o que ela estava imaginando, e expus a possibilidade dela lembrar situações em que os sentimentos fossem parecidos para trazer mais verdade a sua interpretação, emprestando assim suas próprias experiências para a sua personagem como propõe Stanislavski. [nota de rodapé 8] 
A criança em questão perdeu o avô recentemente e portanto esse foi o ‘gatilho’ utilizado por ela para expressar a forma que se sentiria se ‘alguém’ que gosta muito sofresse um acidente. Instantaneamente no “gravando” a menina começou a chorar, substituindo o ‘avô’ pelo ‘cachorro’ e era visível a verdade das suas palavras e da sua emoção. É perceptível que durante a cena ela tenta conter as lágrimas algumas vezes, mas essas ultimas insistem em cair. Acredito que o método do “reviver um sentimento” seja, para criança, menos traumático que o método de manipulação utilizados por alguns cineasta como por exemplo retirar um objeto que gostam afim de faze-los chorar, ou em casos mais extremos mentir sobre acidentes com a família para que a criança consiga atingir a emoção desejada, como aconteceu nas filmagens de Little Miss Marker com Shirley Temple quando a garotinha não conseguia chorar em cena.
“[…]La jeune femme change des jeunes vedettes du studio s'aproche de Shirley et lui dit: “Tu sais, je suis désolée, mais ta maman vient d’avoir un accident de voiture; elle n’a rien eu, mais elle a dû se rendre au poste de police pour faire une déposition”. La fillette un peu troublée, fronce les sourcils, mais les larmes tant attendues ne coulent toujours pas. Alors la jeune femme ajoute, avec un peu d’impatience: “Comment, Shirley, tu n’es pas triste pour ta pauvre maman. Elle aimerait tant être ici avec toi!” Á ces mots, la petite fille fond en larmes et l’on entend alors, avec un virulent moteur, un immense soupir de soulagement.” [SIMPSON, Marie-Jo. Les Kiddies d’Hollywood in La revue du cinéma nº 394, maio 1984. pag 78-80] [nota de rodapé 9]
Acredito que, ao utilizar o método de “reviver um sentimento” seja mais saudável para criança do que criar situações em que seus sentimentos sejam manipulados por mentiras que podem afeta-las de forma grave emocionalmente.
Dando sequencia ao exercício, pela experiência anterior de “emprestar suas experiências” ao personagens a menina entendeu a necessidade de relacionar algo de sua vida a ação que eu estava propondo e assim seguiu com o “faz de conta que esta com raiva de alguém” “faz de conta que te botaram de castigo” e por fim, “faz de conta que você esqueceu de fazer o dever de casa e a professora vai ver agora”.  Nessa ultima questão em especial, a garotinha ligou com um fato ocorrido no dia da gravação, em que ela deveria apresentar um teatro na sua igreja mas esquecera as falas durante a apresentação e por tanto a reação, segundo a criança, seria parecida a de “esquecer de fazer o dever de casa”. O resultado de grande parte das cenas foi satisfatório, nos fazendo compreender que a criança que se enquadra no estágio descrito por Piaget como operatório-concreto tem a capacidade de exteriorizar seus sentimentos com facilidade, visto que sua visão sobre si mesmo esta em constante ampliação durante esse estágio.
A segunda criança a fazer parte do experimento foi Bernardo (5) e as ações propostas foram exatamente as mesmas citadas anteriormente. Gostaria de identificar na proposta com essa determinada criança, se a idade influência na forma de relacionar as ações e de expor o que se esta sentindo, como determina Piaget em suas obras, razão pela qual optei abordar as mesmas situações. 
Assim como fiz com Milena, pedi a Bernardo que sentasse em um lugar calmo e comecei a filma-lo na ação “faz de conta que ganhou algo que queria muito” e de primeira foi difícil faze-lo entender como a brincadeira funcionava. Por mais que entendesse o conceito, externalizar o que estava em sua cabeça era uma ação complicada pra ele. O garotinho continuava a repetir “obrigada mamãe, por esse brinquedo lindo” mas não era possível ver, em sua expressão, o sentimento que ele buscava externalizar. Esse aspecto me intrigou, visto que, segundo Piaget, Bernardo estaria na fase de desenvolvimento do estágio pré-operatório e portanto fazer uso da imaginação deveria ser uma tarefa quase que instantânea visto que esta no estágio do “jogo simbólico”[nota de rodapé 10]
Seguindo para a segunda ação “faz de conta que esta com ciúmes de alguém” pude observar um segundo problema na criança em questão: o fato de não conseguir segurar o diálogo com ela mesmo por muito tempo. A ação “ciúme” foi um pouco mais externalizada do que a anterior, porém com os clichês grotescos como citado anteriormente, o garotinho cruzou os braços e franziu as sobrancelhas em sinal de desaprovação mas logo desmontou o personagem construído para perguntar qual seria a próxima ação. Insisti um pouco mais com ele, assim como fiz com a criança anterior, pedi para que lembrasse de uma situação em que ele tinha tido muito ciúmes e ele me relatou que no dia anterior a irmã dele tinha sido levada para passear e ele não, e por isso ele tinha ficado com ciúmes. Pedi para que usasse essa situação em particular para tentar fazê-lo segurar um pouco mais a cena e de fato funcionou. Fazer com que a criança se lembre de uma emoção já vivida faz com que o trabalho de fazê-la “interpretar” o personagem que queremos se torna mais fácil, pois como Doillon [nota de rodapé 11]afirma, a criança não pode interpretar aquilo que ela não conhece. 
Na terceira situação “faz de conta que você brigou com alguém” a criança em questão se recusou a continuar a atividade e portanto foi dado um tempo a ela, para que pudesse assimilar as ações propostas antes de tentar novamente filma-la. Depois de um tempo o garotinho voltou, e se propôs a refazer todas as ações de formas corretas. Assim como Truffaut relata e Doillon e Spielberg concordam, deixei com que a criança fosse ela mesma em cena, inclusive permiti que continuasse a chupar as balas que ele havia trazido, pois esse aspecto poderia servir como desvio do foco de atenção [nota de rodapé 12]para ele, mesmo que inconscientemente, tendo assim um aspecto do cotidiano na encenação que o garoto estaria preste a fazer. 
Reiniciamos a experiência com a criança em questão, agora mais calmo e com uma distração de seu cotidiano, o garotinho conseguiu se concentrar melhor e realizar os exercícios sem demais problemas.
Na primeira situação (receber um objeto que queira muito), ele compreendeu, nesse estágio, que poderia dar o significado que quisesse ao “objeto” que eu estava entregando a ele, e a folha de uma árvore também virou um tablet na imaginação da criança, porem a visualização do objeto não foi tão convincente quanto a da criança maior, o que me surpreendeu. Apesar de falar e expressar-se da forma que ele achava que deveria, era visível que o objeto na mão dele não havia se transformado no eletrônico, por mais que ele afirmasse isso em suas palavras. 
Seguimos o jogo com com a situação do ciúmes e dessa vez o garotinho se entregou a cena, acredito que tenha visualizado situações em que sentiu ciúmes da irmã pois esse foi o ponto forte abordado por ele. Gostei da interação dele com o fato de estar mastigando, ele dava algumas pausas para que conseguisse engolir o que havia na boca e essas pausas tornaram a cena mais real, concreta e consistente. A distração funcionou bem para ele e o manteve concentrado durante a atividade. 
A situação proposta em seguida foi “faz de conta que alguém que você ama muito sofreu um acidente” e a ação da criança me deixou intrigada, de certa forma. Assim como a criança anterior o garotinho em questão perdeu o avô a pouco tempo, mas não foi pedido a ele que usasse esse fato para externalizar o sentimento dessa cena, o fato dele usar voluntariamente me deixou surpresa. O garotinho pegou uma folha do chão e começou a despedaça-la enquanto mastigava e pensava , em longos segundos, como reagiria a situação proposta. A reação dele foi totalmente oposta a da menina mais velha, e tal ação me fez questionar como crianças mais novas falam tão naturalmente sobre a morte e os sentimentos delas são quase que imperceptíveis, embora saibamos que existem. O menino relatou a morte do avô e enfatizou o fato de estar triste, porém a sua expressão não demonstrava nada, seu rosto era neutro contando a história e a movimentação maior vinha da folha sendo despedaçada em suas mãos. O seu tom era mais nostálgico e neutro do que emotivo. Wallon, um antecessor a Piaget que buscava igualmente estabelecer estágios no desenvolvimento da criança, relata que:
“La passion peux être vive et profonde chez l’enfant. Mais avec elle apparait le pouvoir de rendre l’émotion silencieuse. Elle suppose donc, pour se developper, le controle de la personne sur elle même (…), dont la conscience ne se produit pas avant trois ans. Alors l’enfant devient capable de mûrir secrètement de frénétiques jalousies (…)” [WALLON, Henri. L’evolution psychologique de l’enfant. Paris. Armand Colin, coll. Prisma Éducation, 1994. p. 128.] [nota de rodapé 13]
Sendo assim é compreensível o fato do garotinho não querer externalizar seus sentimentos em relação ao avô. Talvez seja mais benéfico para ele guardar o que sentiu pra sí só e como o objetivo do exercício era ver como eles reagiriam nesse “faz de conta” decidi prosseguir o exercício tendo como resultado essa expressão neutra e de certa forma fria da criança em questão. Acredito que grande parte das crianças artistas mantenham sentimentos fortes dentro delas nessa idade, e que o significado do que ela “deveria estar sentindo” é manipulado na edição de imagem. 
A quarta situação foi “estar com raiva de alguém” e a situação ficou cômica. O garotinho observado decidiu se utilizar de signos que para ele significa raiva como o fato de “bater em alguém”, ao explorar esse signo o menino mostrou os pequenos músculos para câmera, fingiu dar socos em sua mão e franziu a sobrancelha por diversas vezes em sinal do descontentamento. A utilização de signos de crianças dessa idade facilitam a compreensão delas acerca do seu sentimento e da forma que deve representar e exterioriza-los. A imaginação da criança nessa situação também é algo a se destacar. Nas outras situações o garotinho se contentava em dizer algumas falas, já nessa ação o fato de estar brigando com alguém levo-o a imaginar cenários inteiros a ponto de mencionar “vou bater nele e a policia vai vir me buscar depois mas não vão me prender porque eu tenho tatuagens de força” sabendo que isso não aconteceria em um cenário real.  
Em seguida foi dado a ação do “faz de conta que te botaram de castigo” e o garotinho mais uma vez, mesmo que inconscientemente, fez uso da divisão do foco de atenção. Ele tirou o papel da bala calmamente e com igual calma colocou o doce na boca, começando a mastigar enquanto pensava no que iria fazer. O olhar dela já tinha significado para a ação e portanto a percepção inconsciente acerca da divisão do foco foi interessante e trouxe um significado a mais a cena que o garotinho interpretava. O menino optou por dar sequência ao cenário criado anteriormente onde a policia viria prender ele, a ideia dela era que o ‘castigo’ viesse a ser dado pelos policiais. O pensamento de Bernardo prova mais uma vez a teoria piagetiana acerca dos estágios de vida de uma criança, onde um indivíduo que se encontra no estágio pré-operatório precisa de uma continuidade narrativa para entender o que esta acontecendo, pois não possui plena noção de tempo e espaço, como afirma Wallon em 
“Il est inexact de dire que l’enfant se maintient dans un perpétuel présent. C’est plutôt le “maintenant” qu'il l’accapare, c’est-a-dire une prise de possession graduelle des instants que mesurent sa perception et son action. Il a le sentiment simultanée de actuel et du transitif.” [WALLON, Henri. L’evolution psychologique de l’enfant. Paris. Armand Colin, coll. Prisma Éducation, 1994. p. 178.] [nota de rodapé 14]
Sendo assim é importante manter uma linha cronológica para que a criança possa entender o que esta “acontecendo”. Por esse motivo tanto Spielberg quanto Doillon, ao trabalhar com atores crianças, fazem as filmagens em ordem cronológica correta fato esse muito incomum no cinema como afirma Nicolas Livencchi[nota de rodapé 15]
Acredito que tenha sido por este motivo que Bernardo sentiu a necessidade de continuar a cena anterior mudando somente o sentimento e a situação.

[nota de rodapé 1] Durante sua vida (1896-1980) Jean Piaget desenvolveu três obras principais que falam o desenvolvimento da criança, sendo elas Le jugement moral chez l’enfant, La naissance de l’intelligence chez l’enfant e La construction du réel chez l’enfant. Vide referências. 
[nota de rodapé 2]  O cineasta refere-se a Victoire Trivisol, a pequena atriz de quatro anos protagonista do filme Ponette dirigido por ele em 1996. No filme a criança expõe, de maneira convincente, uma série de sentimentos que a personagem, ao perder a mãe e ser abandonada pelo pai, sente.
[nota de rodapé 3] “Atuar é o que? É expressar seus sentimento, para simplificar. Não podemos atuar se não compreendemos os sentimentos que devemos interpretar, simplificando ainda mais. E uma criança de quatro anos como Victoire não conhece seus sentimentos que são o amor, o ciúme, a raiva, a possessão, o abandono? É evidente que sim” – tradução por mim
[nota de rodapé 4]  “É agir como se o imaginário fosse real” – tradução por mim [WALLON, Henri. L’evolution psychologique de l’enfant. Paris. Armand Colin, coll. Prisma Éducation, 1994. p. 69.
[nota de rodapé 5]  TRUFFAUT, François. Citado por GILLAIN, Anne. Le Cinéma selon François Truffaut. Flammarion. Paris (1992). pag. 347
[nota de rodapé 6]  “Nas cenas eu dava a eles muito pouco diálogos: eu dizia em geral as ideias e eles faziam o resto com as próprias palavras (…) por exemplo, na cena em que o professor chega dizendo “Eu tive um filho” eles questionaram exatamente as perguntas que queriam” – Tradução por mim. 
[nota de rodapé 7]  “Nos mostramos os dente e rolamos os olhos para expressar o ciúmes, cobrimos os olhos e o rosto ao invés de chorar, nós arrancamos o cabelo para mostrar o desespero (…) A historia de duas garotinhas que nunca foram ao teatro, viram nada mais que alguns ensaios, e mesmo assim são capazes de interpretar uma tragédia com os clichês mais vulgares e mais batidos. – tradução por mim.
[nota de rodapé 8]  STANISLAVSKI Constantin. La construction du personage. Paris. Pygmalion/Gérad Watelet. 1984. Traduzido por ANTONETTI, Charles.
[nota de rodapé 9]  “[…] a jovem responsável pelos jovens atores se aproxima de Shirley e lhe diz: “Você sabe, eu sinto muito, mas sua mãe acabou de sofrer um acidente de carro, ela não teve nada, mas ela teve que ir na polícia para dar um depoimento.” A garotinha, um pouco desconcertada, franziu a sobrancelha mas as lágrimas tão esperadas ainda não rolavam. Então a jovem com um pouco de impaciência acrescentou: “E então, Shirley, você não esta triste pela sua pobre mãe?. Ela queria tanto estar aqui com você!”. Com essas palavras a garotinha caiu em lágrimas e foi possível escutar então, (…) um imenso suspiro de alívio” (por parte dos cineastas) – tradução por mim.
[nota de rodapé 10]  Consiste na capacidade da criança em criar imagens mentais desenvolvendo fantasias, brincadeiras tendo consciência porém de que o que se passa na cabeça dela não é real.
[nota de rodapé 11]  Ibird
[nota de rodapé 12]  ainda não sei o que citar pra explicar
[nota de rodapé 13]  “A paixão pode esta viva e profunda na criança. Mas com ela aparece o poder de render a emoção silenciosa. Para se desenvolver, ela [a emoção] supostamente precisa do controle da pessoa sobre ela mesmo (…) Então a consciência não se produz antes dos três anos. Depois disso a criança tem a capacidade de amadurecer secretamente seus sentimentos de ciúmes (…)" – tradução por mim.
[nota de rodapé 14]  “É inexato dizer que a criança se mantém em um perpetuo presente. É mais o “agora” que a monopoliza, quer dizer, uma tomada de percepção gradual de instantes que mede sua percepção e suas ações. Eles tem sentimentos simultâneos do atual e do transitivo.” – tradução por mim.
[nota de rodapé 15]  [LIVENCCHI, Nicolas. L’enfant Acteur: De François Truffaut a Steven Spielberg et Jacques Doillon. Paris, 2012. Pag 131.]