segunda-feira, 31 de agosto de 2015

História da criança no cinema I.

Quando a criança começou a ser usada nas reproduções cinematográficas, foi, antes de tudo, para ganhar a grande simpatia dos telespectadores, explorando em grande parte a sua capacidade dramática e cômica e colocando em valor os atores profissionais adultos com quem contracenavam. A criança nunca era o centro da história nas produções cinematográficas pré segunda-guerra, quando a criança passa, principalmente em filmes de hollywood, representar imitando um adulto. 
A criança nesse início de história cinematográfica não passa de um objeto de cena onde, na verdade, ela é vista como uma marionete totalmente manipulável pelos agentes de cena, podendo ser diretores, atores ou até mesmo os editores que fariam esse trabalho de manipulação através das imagens na edição final do filme. 

"(...) I'll est impossible pour le jeune comédien de se dépasser et il n'es rien d'autre qu'une marionette a la merci des metteurs en scéne. L'enfant se contente d'être lui même, et c'est précisément ce qu'on  lui demande." 
[LIVENCCHI, Nicolas. L'enfant Acteur: de François Truffault a Steven Spielberg et Jacques Doillon. 2012, France. Pag 17] Nota de Rodapé 1. 

O papel da criança no cinema começou nos primórdios, em 1895 quando os irmãos Lumiéres deram ao público o primeiro curta onde a infância era retratada. Se tratava do filme/documentário “Dejeuner de Bébé” (Café da manhã de um bebê) onde era retratado a rotina matinal do filho de Auguste Lumiére, um dos irmãos em questão. O filme surge como um sucesso do cinema amador que se desenvolveu no século XX e XXI com a chegada dos equipamentos mais leves. A idéia dos irmãos Lumiére ao filmar a criança em questão era dizer que qualquer criança poderia fazer parte de uma história cinematográfica, desde que ela fosse ela mesma em cena, o tempo todo. Essa perspectiva não exigia muito da criança artista, e se tivesse sido levada para frente a criança seria até hoje um objeto de manipulação não racional nas mãos dos diretores. 
A criança ganha um maior espaço no cinema quando a série televisa intitulada Bébé de Louis Feuillade é lançada em 1909. Se tratava de episódios curtos do cinema mudo, onde um pequeno ator de seis anos, René Dary, representava diversos papéis imitando adultos, o que exigia um esforço maior do que simplesmente “ser ele mesmo em cena”. É através dessa série televisiva que a criança prova a sua capacidade cômica, pois a sua simples presença provocava o riso, como afirma Nicolas Livencchi em sua obra L’enfant Acteur. 
O papel mais significativo para a cinematografia infantil mundial acontece quando é lançado o filme estrelado e dirigido por Charlie Chaplin, intitulado “The Kid” (O garoto) em 1921, onde um garotinho de seis anos, apôs ser abandonado pela mãe, se encontra sob a guarda do personagem de Chaplin. O filme faz parte do cinema mudo, sendo assim é notória a manipulação de imagem que foi feita durante a montagem do filme, porém é também notória o talento dramático do primeiro ator mirim reconhecido, Jackie Coogan. Há uma cena em questão que vale a pena a reflexão: Durante todo o filme percebermos o lado cômico, características dos filmes de Chaplin, porém em uma das cenas finais do filme em questão, o pequeno garoto é separado de seu “pai” e por isso ele se envolve em uma parte dramática significativa. É notável que a criança não derramou nenhuma lágrima durante a filmagem, é notável também que em nenhum momento ela realmente sentiu a dor de perder um pai, porém as características de representação do pequeno ator são incríveis. Ainda sem sentir e sem derramar lágrimas, Jackie Coogan consegue, através de sua expressividade e excesso de dramaticidade, transmitir ao espectador e convence-lo da exata sensação que uma criança sente ao ser arrancada dos pais. O pequeno ator foi a primeira criança a ser conhecida em Hollywood.
O filme de Charlie Chaplin trouxe uma nova perspectiva para o cinema infantil através da relação da criança artista com um adulto pragmático, formula essa que foi utilizada por diversos diretores no decorrer da cinematografia que envolvem crianças. O filme mais significante, tomando por base o método descoberto por Chaplin, foi realizado por um diretor francês chamado Jacques Feyder em 1923 intitulado “Visage d’enfant”. O filme em questão foi o primeiro a abordar a psicologia infantil ao misturar crueldade e sensibilidade em seus personagens. 

“C’est un film charnière. Jusqu’alors les enfants, s’ils occupent peu a peu le centre de l’écran, n’ont pas encore de personnalité admise et reconnue comme telle. (…) Pour que le cinéma assigne a l’enfant une valeur humaine, il faudra attendre… Visage d’enfant.” 
[LIVENCCHI, Nicolas. L'enfant Acteur: de François Truffault a Steven Spielberg et Jacques Doillon. 2012, France. Pag 20] Nota de Rodapé 2.

A história abordada por Feyder é um tema moderno, uma família reconstituída onde três crianças são obrigadas a viverem juntas após o casamento de seus pais. O garoto principal da película não se recupera da morte de sua mãe e tenta se refugiar em meio as suas preces a Deus, para em seguida tentar suicídio. É importante observar que a partir desse momento na história a criança, ainda que no cinema mudo, passa a adquirir papéis complexos que exigem uma extrema dramaticidade, ainda que não envolvessem sentimentos e a fala. O jogo que os diretores propunham para as crianças em cena nessa época se tratava do exagero, onde todas as reações propostas pelos diretores deveriam ser representadas de forma exagerada pelas crianças em cena.
Após a segunda guerra mundial foram descobertas novas formas de fazer cinema, oferecendo assim uma nova perspectiva a criança artista. As crianças deixam de encarnar papeis de pouca relevância e simplicidade, e passam a adquirir, ainda que em uma baixa escala, uma importância significativa para a história do cinema. Seus personagens tornam-se mais dinâmicos, suas histórias passam a ser mais extrema até a chegada do cinema fantástico[Nota de Rodapé 3]
Os filmes de grande relevância para a história da criança no cinema começam a invadir as telas a partir dos anos 80 com a conquista da criança como figura indispensável para áreas como fotografia e cinema. Durante o séc. XIX a criança é vista como um símbolo de sublevação em uma sociedade ocidental que está em pleno desenvolvimento, isso faz com que o cinema entre na onda de exaltar a infância como podemos observar em filmes dos grandes diretores da época, tais quais: Bergman, Truffaut, Bresson dentre outros destacados no livro L’enfant Acteur de Nicolas Livencchi. 
Cada um dos diretores que se envolveram com a cinematografia infantil durante esse período teve uma forma diferente de abordar a infância, porém todos eles se interrogavam com uma problemática comum acerca da cinematografia: o olhar da criança. A criança possui por ela mesma a possibilidade de um olhar neutro ou ainda um olhar que aos olhos de qualquer adulto remete a inocência, esse olhar traz a criança a possibilidade de representar papéis ingênuos e sem demais complicações, visto que é somente isso que a sua expressividade transmitiria ao adulto. A grande questão nesse momento da história da cinematografia infantil é: “Como se desfazer dessa idéia da inocência da criança?”. O fator que contribuiu para que a visão acerca do olhar inocente não fosse tão forte foi a presença do ator mirim nas representações de literaturas do século XIX, tais quais: Alice no país das maravilhas de Lewis Carroll (1865), Oliver Twist de Charles Dickens (1837), ou ainda Tom Sawyer de Mark Twain (1876). A cada sucessão de filme, os personagens propostos para as crianças representar eram cada vez mais complexos o que fez com que os atores mirins conquistassem seu espaço no cinema internacional. 

Nota de rodapé 1 –  “(…) É impossível para o jovem comediante de se superar e ele não passa de uma marionete a mercê dos atores em cena. A criança se contenta de ser ela mesmo, e é precisamente isso que é pedido a ela.” – tradução feita por mim.
Nota de rodapé 2 –  “É um filme que dobre e se desdobra. Até agora a criança ocupando pouco a pouco a tela, ainda não tem personalidade admitia e reconhecida como tal. (…) Para que o cinema dê a criança o valor humano, precisará esperar… “Visage d’enfant” (o rosto de criança)” – tradução por mim.
Nota de rodapé 3 –  O cinema fantástico é um gênero cinematográfico que une os filmes que abordam o sobrenatural, o terror e os monstros. É um tipo de filme que se baseia em elementos irracionais e surreais e ele se caracteriza pela sua diversidade. A característica desse cinema foi herdada da Literatura fantástica, onde o objetivo era o mesmo: reunir peças literárias dessa mesma temática. 

Partes dos filmes citados (Click para ser redirecionado)
Bébe de Louis Feiullade – exemplo 1, exemplo 2.
The Kid de Charlie Chaplin – aqui
Visage D'enfant de Jacques Feyder – aqui

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Apresentação: Bernardo, Gabriela e Milena





Introdução – editável

A criança artista: um estudo sobre os métodos de Steven Spielberg e Jacques Doillon para o cinema americano e francês a cerca do universo cinematográfico infantil trata-se de um trabalho desenvolvido através de uma pequisa bibliográfica e de campo sobre os principais métodos utilizados pelos dois maiores diretores que abordam a complexidade de dirigir uma criança no mundo cinematográfico. Tendo uma história parecida e um antecessor em comum, sendo este François Truffaut, os dois diretores possuem um histórico amplo e diferente em que dirigiram protagonistas crianças em filmes de grande complexidade, tais quais para Spielberg: AI. Artificial Intelligence (2001), E.T the Extra-Terrestrial (1982) e ainda War of the Worlds (2005), e para Doillon: La Drôlosse (1978), Ponette (1996) e Un sac de Billes (1975). 
Com a descoberta de algumas dessas técnicas, será destacado do decorrer desse trabalho, a experiência de aplicar tais descobertas em algumas crianças selecionadas para participar através do projeto "a poética cênica e seus dispositivos e estratégia de transmissão." A aplicação dessas técnicas são feitas através da reprodução de cenas de filmes selecionados desses diretores, buscando assim identificar qual dos dois métodos descobertos a criança se sente mais a vontade para atuar.  
É importante destacar nesse momento que a criança por ela mesmo já é natural em cena, e já transmite um olhar de verdade para a câmera sem ao menos solicitarmos, a visão inocente do olhar de uma criança já faz os espectadores projetarem a verdade cênica que eles querem enxergar. A grande questão nesse projeto é entender como a criança deixa de ser vista como inocente em cena, quais as técnicas que Spielberg utiliza, por exemplo, quando quer que a criança (interpretada por Haley Osment) seja vista como um robô, ainda que tenha um pequeno traço de humanidade, ou ainda, como Doillon quer que a sua atriz mirim seja vista como uma provocadora jovem mulher, que tenta convencer um adulto a deixa-la grávida. São questões complexas que não vemos com freqüência no cinema que busca entreter, portanto de grande importância a ser analisado.
Há possibilidades do ator infantil ser tratado como um objeto de cena, ou seja, de não saber exatamente a complexidade de seu papel, ou ainda de não entender o que esta representando, e por isso repete e se deixa manipular pelo que o diretor diz. Ou ainda pode ser que todo o trabalho não dependa do artista mirim em questão, e sim de uma equipe de edição que fará com que toda a história ganhe significado aos nossos olhos, ou talvez a criança possa realmente ser igualada a um artista adulto e fazer seu papel como consciência de cada palavra pronunciada e cada ação exercidas. Essas são hipóteses que o trabalho em questão buscará desvendar. 
Para buscar entender as técnicas principais utilizadas por esses dois diretores em questão, é de extrema importância que se analise brevemente a história da criança no cinema mundial assim como uma pesquisa igualmente breve sobre o momento histórico em que os países desses dois diretores (EUA e França) viviam no determinado momento em os filmes com protagonistas infantis eram lançados. Exemplo de tal importância é o papel que a jovem Shirley Temple teve no país de Steven Spielberg quando o cinema precisava ser uma distração para o país que se encontrava em guerra. A jovem atriz tinha como objetivo distrair e animar os cidadãos americanos enquanto seus soldados eram mandados para campos durante a II guerra mundial. Aspectos políticos-econômicos sempre estiveram presentes, ainda que indiretamente, em produções cinematográficas, e portanto a análise desses acontecimentos juntamente com os filmes de cada época pode nos ajudar a enxergar a ascensão de espaço e importância que a criança adquiriu no cinema. 
É válido destacar que o tema em questão é pouco discutido no Brasil e que a criança no cenário nacional ainda não atingiu um aspecto de tal complexidade como no cenário internacional. É, portanto, de extrema importância a existência de um estudo sobre tal sujeito.