Enfim, o período de 30-40 foi marcado pelas expressões exageradas e atitudes tanto estereotipadas quanto fictícias ao contrário dos anos que se seguiram que com o surgimento de novos métodos de jogo inovadores na nova Hollywood, beneficiarão os jovens atores do período que serão afrontados a papeis cada vez mais complexos trazendo assim ambiguidade a imagem da criança. É nessa “nova Hollywood’ que as crianças passam a desenvolver papeis em que sua imagem esta ligada a algo perverso, como em The night of the hunter de Charles Laughton em 1955 onde o diretor confronta o mundo da infância com o mal absoluto.
Depois da década de 40, a infância sofre uma tremenda mutação com a mudança do neo-realismo e no cenário cinematográfico as preferências para artistas amadores crescem, e estes mesmo passam a substituir a escolha clássica por atores profissionais. Outro ponto que muda no cinema em 1948 é o fato da criança voltar a ser “somente” um rosto no cinema, e não dar lugar para que ela realmente atue ou entre no jogo que a película cinematográfica propõe. Rossellini (cineasta italiano, é um dos primeiros a aderir essa técnica) diz, em 1948 com a montagem de “Germania ano zero”, que a expressão de brincadeira, assim como a expressão da morte pode significar a mesma coisa no rosto de uma criança e portanto é importante o olhar que esta criança lança a câmera. Rossellini é o primeiro cineasta a confrontar a infância com o mundo em guerras, passada a segunda guerra mundial, é indiscutível o papel que cada criança exerceu e viveu durante todo o período de confrontação, e portanto os filmes abordando essa temática fizeram grande sucesso. Schindler’s list [nota de rodapé1], de Spielberg, foi um dos filmes mais marcantes durante todo esse período, e pelo destaque dado a garotinha da capa vermelha no final do filme, percebe-se que o cineasta começa a se interessar nesse momento pelo papel da criança no cenário cinematográfico.
Durante esse período, uma formula que já faz parte da história da criança no cinema volta a se fazer presente, e a dupla “criança x adulto” passa a ser, mais uma vez, o método explorados pelos diretores da época. A diferença é que durante o período neo-realista, a criança no cinema passa a ter o papel de ator-observador, onde as ações principais são desenvolvidas pelos adultos, e as crianças só tendem a reagir ao que acontece. Essa transformação do “ator testemunha/observador” pode ser bem observado no filme Fanny e Alexander de Bergman (1982) onde após a morte do pai, as crianças são obrigadas a deixar a casa da avó paterna para viver com o novo marido da mãe, sendo assim são sempre testemunhas das ações que as cercam, não expressando emoções básicas em nenhuma situação, nem mesmo com o enterro do pai. É uma característica marcante a falta de expressividade no rosto das crianças, faz com que o telespectador projete o sentimento que ele quer que a personagem sinta naquele momento, fazendo-o assim se identificar ainda mais com a película em questão.
Um segundo filme de extrema importância para o período neo-realista é Belíssima, dirigido por Luchino Visconti em 1951, que retrata grande parte da caminha da criança no universo cinematográfico. Belíssima conta a história de uma atriz frustrada, que põe toda a sua esperança em sua filha, e portanto faz com que a pequena criança inicie sua carreira artística ainda pequena. O filme, como retrata Livencchi em sua obra, traz questões importantes acerca o papel da criança no cinema, tais quais: Com que idade a criança, por vontade própria, pode começar a atuar? Até que idade a “atuação” é uma vontade inteiramente dos pais? esses são os debates que rodeiam a história de Belíssima. Visconti, durante a filmagem utilizou de métodos reais da vida da criança em questão para fazer a pequena atriz parecer o mais natural possível em cena. Uma cena que explica bem essa relação com a realidade da criança é o momento em que uma antiga e velha atriz vai até a casa da jovem menina para lhe ensinar alguns truques. A atriz começa a explicar para criança as fases que ela deve seguir, quando se trata de um roteiro, tendo primeiro que identificar a situação, em seguida vem a imaginação da cena em questão, saber “enxergar” a identificação anterior, por fim vem a atuação dentro da imaginação onde a criança artista deva enxergar “na realidade” tudo aquilo que está em sua imaginação.
É muito importante que a criança artista, durante esse período de tempo, se identifique com seu personagem, e entenda o papel que esta representando, e Visconti sabe bem como usar desse método em questão, ele faz a criança representar longos planos seguidos, tornando seus gestos infantis naturais condicentes com a de sua personagem e fazendo a pequena atriz acreditar nas cenas que estava vivendo para que assim ela pudesse facilmente entrar no “jogo” proposto. Acerca desse pensamento, Visconti relata que:
“Une scène ou elle (Tina Apicella) devais pleurer: elle était calme, tranquille jusqu’au bout de l’action. A peine on faisait le clip, elle commençait a pleurer. Elle s’arrêtait au “stop”. Et cela dix, quinze foi de suite. Une enfant de cinq ans et demi” [SANZIO Alain. Visconti cinéaste, Persona/Ramsay. 1986. page 105] [nota de rodapé 2]
A criança quando entende o “jogo” que deve jogar entra mais facilmente nas regras propostas pelo diretor, e foi certemente compreendendo esse mecanismo de regras que a atriz mirim conseguiu retratar bem as questões que envolvem as crianças acerca do universo cinematográfico. Em um outro ponto de vista, esse método de “fazer acreditar no faz de conta” traz a tona uma das problemáticas chaves que envolve o papel da criança no cinema, sendo a duvida sobre a criança realmente crer no que interpreta, estabelecendo uma analogia entre o jogo de ser ator e o jogo de ser criança e “viver no mundo da imaginação”.
nota de rodapé 1: O filme é uma versão cinematográfica preto branca, porém, a pequena garota que aparece durante a película esta usando uma capa vermelha, apenas ela em meio a imensidão preto e branca. Esse destaque é um dos fatores mais marcantes do filme.
nota de rodapé: “Uma cena em que ela (Tina Apicella) tinha que chorar: ela estava calma e tranquila até o começo a ação. Apenas que começávamos a filmar ela começava a chorar e parava no “Stop”. E isso umas dez ou quinze vezes seguidas. Uma criança de cinco anos e meio.” – tradução por mim